José Cadalso (1741-1782) é um ilustre desconhecido do público leitor brasileiro; no entanto, sua obra Noches Lúgubres, datada de 1774, influenciou o romantismo no Brasil e inspirou a chamada poesia sepulcral. Publicada pela primeira vez em 1789, gozou de fama extraordinária no século XIX, sobretudo nos anos do romantismo.
(Texto de Bira Câmara)
Na opinião do crítico Brito Broca, Noites Lúgubres serviu de modelo para os contos macabros de Álvares de Azevedo em Noite na Taverna.
No Brasil, o texto ficou conhecido pela tradução de Francisco Bernardino Ribeiro, publicada em folhetim na “Minerva Brasiliense”, em 1844, o que levou o crítico a supor que Álvares de Azevedo a teria lido.
Frontspício da edição de 1817 |
O livro gozou de fama extraordinária no século XIX, sobretudo nos anos do romantismo, e teve numerosas edições apesar da intervenção da censura e até uma passageira proibição inquisitorial. Um processo foi iniciado pela Inquisição de Córdoba, por conter muitas expressões escandalosas, perigosas e incentivadoras do suicídio, além de referências depreciativas aos padres, e ao ódio geral de todos os homens.
Noches Lúgubres é um texto curto, escrito na forma de diálogos, e tem como argumento a obsessão do personagem Tediato em desenterrar o cadáver de sua amada. Esse enredo macabro levou muitos leitores a se convencerem de que a narrativa é autobiográfica, e logo a lenda de um Cadalso desenterrador do cadáver de sua amada espalhou-se.
Na verdade, o próprio autor não esconde que se inspirou na obra do poeta inglês Edward Young, Night Thoughts, publicada entre 1742 e 1745. O nome do personagem Lourenço, o coveiro de Noites Lúgubres, deriva de Young, que assim nomeia um amigo a quem também o poeta dirige suas reflexões.
O caráter escandaloso da obra deve-se à presença do macabro, nos detalhes mórbidos da exumação, com os vermes da sepultura cobrindo os pés de Tediato, ou a proposta a Lourenço de cavar um buraco bastante grande para assassinar nele seus filhos e suicidar-se ele também. A temática e o clima macabro, que remetem ao célebre monólogo de Hamlet, caíram no gosto dos poetas românticos brasileiros, que tinham em Shakespeare, Byron e Hoffmann seus modelos e grandes inspiradores. No Brasil daquela época, os ecos de um acontecimento literário na Europa chegavam com o atraso de décadas e, como no caso da obra de Cadalso, até mais de meio século.
Cadalso, um “filósofo ilustrado” escreveu uma obra que é pura irracionalidade, como um cientista ou uma mente obsessivamente lógica que sonha na noite e expurga suas verdades mais profundas, reprimidas pelo cérebro racional. Este aparente paradoxo é emblemático do século XVIII, o século das Luzes, em que a razão coexistiu com as mais descabeladas crenças irracionais.
José Cadalso y Vásquez (Cádiz, 1741-Gibraltar, 1782), escritor espanhol, também teve uma brilhante carreira militar. |
Neste texto já existe, pois, o germe do espírito romântico, caracterizado pelo cultivo de um estado de alma mórbido e doentio, pela descrença e pessimismo de mãos dadas com o sentimentalismo exacerbado. Por isso Cadalso é considerado o primeiro autor romântico europeu.
Nascido nos estertores do século da razão, mais do que mero estilo literário, o Romantismo tornou-se uma fé e uma necessidade, e paradoxalmente o romântico jamais deixou de ser um crente que perdeu a Deus e a razão.
Noites Lúgubres
José Cadalso
Brochura, 66 páginas, formato 13 X 19, 5 cm. 1ª edição brasileira em livro de "Noches Lúgubres", publicada originalmente em 1785. Tradução de F. Bernardino Ribeiro, atualização ortográfica, prefácio e nota biográfica do autor por Bira Câmara.
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