A aventura de Maeterlinck pelos fenômenos paranormais, pelas artes divinatórias, telepatia, fantasmas, comunicação com os mortos e outras áreas insólitas, registrada num livro instigante
(Texto de Bira Câmara)
Maeterlinck é reconhecido e lembrado até hoje sobretudo como dramaturgo, poeta e filósofo. Muitos críticos se debruçaram sobre sua obra e escreveram ensaios louvando sua genialidade e a qualidade literária de sua produção. Sobre as suas especulações metafísicas e seus ensaios sobre ciências psíquicas, no entanto, a crítica é reticente atribuindo-lhe pouca importância.
O misticismo de Maeterlinck tem uma orientação prática, pois ele acreditava firmemente que está dentro da capacidade do ser humano levantar — senão todos — pelo menos alguns dos véus que cobrem o segredo central da vida. Antes da guerra, o renascimento do interesse nos poderes metafísicos do homem, que se expressava quase epidemicamente por meio de movimentos como a Teosofia e o Espiritismo o convenceram dos anseios espirituais do povo. E, apesar de ter testemunhado a terrível carnificina da guerra, acreditava que uma era mais altamente espiritualizada estava despontando, com o despertar mais amplo da alma adormecida do homem.
Ele sentiu a conotação espiritual redentora desta grande calamidade. Segundo suas palavras: «A humanidade esta pronta para se elevar acima de si mesma, para tudo o que realizou até agora. (...) Estamos em alturas que não haviam sido alcançadas antes.» (*)
Maeterlinck |
A morte, para ele, não seria mais do que a volta à pátria espiritual, de que aqui na terra só guardamos vaga lembrança; nossa existência é um cativeiro e a morte só pode ser a libertação dele.
Os cavalos de Elberfeld
O Convidado Desconhecido dá continuidade a uma trilogia iniciada com o livro A Morte, onde Maeterlinck investiga os fenômenos paranormais, as artes divinatórias, a clarividência e outros temas insólitos, com o mesmo rigor e profundidade que empregou em todos os seus ensaios. A série se completaria com a obra Le Grand Secret (1921).
Este livro de foi escrito antes da primeira guerra mundial, perto do fim do ano de 1913, e publicado somente em 1917. As pesquisas envolvendo fenômenos paranormais, como tudo que não se relacionava à indústria da guerra, foram detidas em sua marcha.
Em suas investigações, o próprio Maeterlinck reconheceu que não acrescentou nada ao que já era conhecido e apenas buscou separar o que pode ser verdade daquilo que certamente não é. Ao analisar as hipóteses que poderiam explicar os fenômenos que investigou, não se convenceu de que eram produzidos por uma fonte sobrenatural ou por entidades do além. Para ele, a fonte desses prodígios de clarividência, pré-cognição, etc., estariam dentro de nós mesmos, um poder subconsciente que aflora sem controle nos médiuns ou sensitivos e que pode despertar incidentalmente também em pessoas comuns.
Todo mundo já está familiarizado com a maioria desses fenômenos e, provavelmente, não há quem já não tenha ouvido algum caso de evento paranormal, ou não tenha tido um inside ou flash premonitório. Mas além disso, este livro traz o relato de um acontecimento praticamente ignorado hoje em dia, e que abalou o mundo científico da época: os cavalos de Elberfeld, cujo proprietário demonstrou para os cientistas a capacidade destes animais de realizar operações aritméticas, identificar cores, letras, e até se comunicar com o homem através de... palavras!
Elberfeld é um lugarejo localizado na Alemanha e atraiu a nata do mundo científico na época para investigar estes prodígios e o próprio Maeterlinck foi até lá para fazer sua própria investigação, que relatou detalhadamente nesta obra. Infelizmente, ignora-se o que aconteceu aos infortunados cavalos da estrebaria de Elberfeld. Provavelmente pereceram na guerra, como tantos outros milhares, confiscados para serem usados no esforço de guerra do exército alemão.
Mesmo com a publicação do livro, este evento extraordinário caiu no esquecimento. Que consequências trariam para a ciência e o conhecimento humano, se as pesquisas levadas a cabo na época não fossem abortadas pela guerra e tivessem continuidade? Fica no ar a pergunta...
O misticismo de Maeterlinck
No capítulo final de «Nossa Eternidade», Maeterlinck registra sua confissão a respeito do problema do Conhecimento: «Não acrescentei nada ao que já era conhecido. Eu simplesmente tentei separar o que pode ser verdade daquilo que certamente não é ... Talvez através de nossa busca pela Verdade indiscutível, devemos ter acostumado nossos olhos a enfrentar o terror da última hora olhando-o bem na cara .... Precisamos ter alguma esperança de que alguém irá proferir nesta terra a palavra que colocará um fim às nossas incertezas. É muito provável, pelo contrário, que ninguém neste mundo, nem talvez no próximo, vai descobrir o grande segredo do universo. E ... é uma sorte que seja assim. Não temos somente que nos resignar a viver no incompreensível, mas nos alegrarmos por não podermos sair dele. Se lá não houvesse mais questões insolúveis ... o infinito não seria infinito; e então deveríamos ter que amaldiçoar o destino para sempre porque nos colocou em um universo proporcional à nossa inteligência. O desconhecido e o incognoscível são necessários e talvez sempre sejam indispensáveis para a nossa felicidade. Em qualquer caso, eu não gostaria de ser eternamente condenado a habitar um mundo do qual não tenha surpreendido um segredo essencial.»
Portanto, a palavra final da filosofia de Maeterlinck, após uma vida de busca ardente, não esclarece nenhum dos segredos desafiadores de nossa existência. E ainda assim, de alguma forma, carrega uma mensagem que está cheia de consolação. O valor da vida humana está no movimento perpétuo em direção a uma meta transcendente.
Quem pode se identificar com tal filosofia e aceitar sua grande lição prática, que nunca devemos alcançar Conhecimento, mas adquirir Sabedoria na busca, deve ser capaz de imaginar o semblante velado da Verdade sem desespero, e até mesmo para enfrentar com alguma coragem o eterno problema do nosso ser, sua razão e seu destino.
NOTAS:
(*) Otto Heller, Prophets of Dissent, Essays on Maeterlinck, Strindberg,Nietzsche and Tolstoy, 1918
(**) Vida e Obra de Maurice Maeterlinck, François Albert-Buisson, pág. 41
(***) idem, pág. 42
O Convidado Desconhecido
Maurice MaeterlinckTradução, prefácio e notas de Bira Câmara.
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