sexta-feira, 9 de abril de 2021

JERONYMO MONTEIRO: o Pai da Ficção Científica Brasileira

A ficção científica no Brasil teve muitos precursores de peso que ajudaram a fundar as bases para a edificação do gênero tupiniquim, mas é na década de 1940 que surgiria o pri­meiro escritor brasileiro de ficção científica de fato: Jeronymo Monteiro.

Texto de de Cláudio Tsuyoshi Suenaga



De acordo com o escritor, compositor e pes­quisador de literatura fantástica Bráulio Tava­res, compi­lador da primeira biblio­grafia do gênero no Brasil, o Fantastic, Fantasy and Science Fiction Literature Catalog (Fundação Biblioteca Nacional, RJ, 1992), “foi com Jeronymo Mon­teiro que começou a existir no Brasil uma ficção cien­tífica nos moldes dos EUA. Com ele, a FC brasileira desligou-se do mains­tream, ou literatura propriamente dita, e passou a existir como universo literário à parte, obedecendo a regras próprias e dialo­gando com um público especializado”. 

Jeronymo começou a ficar conheci­do nos anos 30, depois da publi­ca­ção do seu romance policial pioneiro O colecio­na­dor de mãos (1933). O detetive Dick Peter, criado por ele, protago­nizaria outras aventuras reu­nidas mais tarde nos dez volumes da coleção Aventuras de Dick Peter (1950). Em 1937, Monteiro foi convida­do a fazer uma série radio­fônica com o per­sonagem na rádio Excel­sior. Suas novelas fizeram sucesso, trans­por­tando os atô­nitos ou­vin­tes ao pla­neta Marte em aven­tu­ras à moda de Flash Gordon. O êxito como radialista o levaria a diretor de progra­ma­ção e a produtor de progra­mas da Rádio Cosmo e da Rádio América.

Enveredou inicialmente pelo campo infanto-juvenil, filão que soube tão bem explorar em obras como No país das fadas, O irmão do Diabo – narra­tiva de Walter Baron, O homem da perna só, A cidade perdida, Viagem ao país do sonho, Corumi, o menino selvagem, O palácio subter­râneo das Antilhas, A ilha do mistério, Os nazis na ilha do mistério, entre outras.

Em A cidade perdida especula sobre uma eventual civilização antiga na região do alto Xingu, retomando o tema e a linha de O irmão do Diabo, (1932), relan­çado em 73 pelo Clube do Livro com o título de O ouro de Manoa. Esta obra é claramente inspirada nos ingleses Conan Doyle (1859-1930) – não o de Sherlock Holmes, que serviria de modelo para Dick Peter, mas o de O mundo perdido –, H. Rider Haggard (1856-1925), e principalmente Fawcett, o coronel aven­tu­reiro desaparecido nas selvas do Mato Grosso em 1925 quando procurava por uma cidade perdida – a própria Atlântida ou o Eldo­rado.

Curiosamente, apesar de recheado de gran­des doses de inventividade e fantasia, A cidade perdida acabou dando uma contribuição legítima à arqueo­logia e chegou até a servir de referên­cia para muitos pesquisadores. Renato Castelo Branco, por exemplo, cita-o na biblio­grafia de seu Pré-história brasileira: fatos e lendas (Quatro Artes Ed., SP, 1971), dedicado à memória de... Jeronymo Monteiro. 

Em 1947, Monteiro lançaria Três meses no século 81 (Livraria do Globo Editora), no qual uma junta de médiuns reunida pelo jornalista Campos, na capital paulista, torna possível a este empreen­der uma viagem psíquica-espiritual ao futuro. Cam­pos desperta no cor­po de Loi, um humano do século 81. Lá, assiste à inva­são e coloniza­ção de Marte e descobre que o governo extirpa dos be­bês a glândula responsável pelo amor. Revol­tado, é cooptado pela resistência para liderar a rebe­lião e tem apenas três meses para mudar as coisas. 

Em 1961, pelas Edições GRD (do editor Gu­mer­cindo Rocha Dorea), lança Fuga para parte alguma, volume VIII da Antologia Brasileira de Ficção Cientí­fica, que marcou a evolução do gênero no país ao reunir pela primeira vez autores brasileiros consagra­dos como Antonio Olinto, Dinah Silveira de Queiroz, Fausto Cunha, Jeronymo Monteiro, Lúcia Bene­detti e Rubens T. Scavone, e estreantes como Clóvis Garcia, André Carneiro e Zora Selja. Fuga para parte alguma desenvolve uma velha ideia usada mais tarde em diversos filmes B: formigas gigan­tes que se multiplicam de forma incontrolável avan­çan­do sobre cidades e matando pessoas. Wells já havia escrito um conto versando sobre uma invasão das formigas que se inicia na Amazônia. 

Os visitantes do espaço,
de 1963, está para a ufo­logia tanto quanto A cidade perdida está para a arqueo­logia. Discos voadores pratea­dos (por fora) e transpa­rentes (por den­tro) vin­dos de Io, o segundo satélite de Júpiter, pousam em Goiás, na fronteira de Mato Grosso. Deles desembarcam repugnantes animais reluzentes em forma de rabanetes repletos de tentáculos, sem olhos, sem boca e sem nariz, que visam somente retirar de nossa atmosfera um pouco de hidrogê­nio, elemento vital à sua sobre­vivência. Os terrá­queos rea­gem, desenca­deando uma batalha interplanetária da qual saem frago­ro­sa­mente derrotados. Nesta novela, Ganime­des e Ca­lix­to também eram habitados e juntos forma­vam uma comunidade que vivia em grande har­mo­nia e prosperidade. Em 1997, a sonda espacial Galileu confirmou o acer­to das previsões de Monteiro ao apontar as luas de Júpiter como os locais mais pro­vá­veis da existência de vida no Sistema Solar. A sonda detectou nas duas maio­res luas, Ganime­des e Calixto, material orgânico com­posto por carbono, o mesmo em que se baseia a vida na Terra. Também foi detectado a presença de atmos­fera e de oceanos sob dezenas de quilô­metros de gelo em Calixto, Ganimedes e Europa.

De cunho mais teratológico e nos moldes da litera­tura gótica de horror é O elo perdido, de 1965, sobre um fenômeno de mutação de um bebê monstro ani­ma­lizado e grotesco, com cauda e fisionomia seme­lhante a do pitecan­tropo. 

A última obra, publicada em 1969, um ano após a decretação do AI-5, seria uma coletânea de contos de
ficção científica sob o sugestivo título de Tangen­tes da realidade (4 Artes).  Em “O Copo de Cristal”, escrito em maio de 1964, Monteiro sub-repticiamente relata, sem escon­der a indignação e revolta, o triste episódio de sua prisão pelas forças repressivas ocorrido pouco mais de um mês antes, na noite de 31 de março, horas depois de os militares terem toma­do o poder. A expe­riência da prisão serve de coadjutor à história do artefato que per­mite a visão do passado e/ou do futuro – visto anteriormente em romances como O presidente negro, de Monteiro Lobato, e Viagem à aurora do mundo, de Érico Veríssimo – e entremea­dos à descri­ção, em tom intimista, dos detalhes da infância difícil, bem como da vida familiar simples e pacata ao lado da esposa Carmen (aqui chamada de Car) em Monga­guá. Tudo disfarçada­mente fazendo par­te de uma ino­cente ficção cientí­fica, típica da época, assom­brada pelo pesadêlo de iminente guerra nuclear. 

Além de escrever os seus livros, Monteiro promo­via o gênero apoiando outros escritores em sua coluna dominical Admirável mundo novo, no jornal A Tribuna, de Santos, e em 1965 criou a primeira Associação de FC do país, que reunia nomes como André Carneiro, Rubens Teixeira Scavone, Clóvis Garcia, Vladir Nader e Antonio Olinto. Na editora Globo, dirigiu a revista Magazine de ficção científica, iniciada em 1970, trazendo histórias primeiro publica­das em The magazine of fantasy & science fiction e um conto nacional por número, em contras­te e dando um passo adiante a títulos como Galáxia 2000 e Cine-Lar Fantastic, que apenas traduziam contos. Muitos nomes da geração GRD apareceram ao lado de alguns novatos. A revista chegou ao seu vigési­mo número em novem­­bro de 1971, quando fechou as portas por falta de resposta comercial e pela morte de Mon­teiro.

Até o fim de sua vida sempre procurou, mais do que simplesmente divulgar, “profissionalizar” a ficção científica, e fez isso em todas as oportuni­dades que se abriam e que conquistava pelo prestígio alcan­çado com o brilhante exercício da carreira jorna­lística. Mui­tos de seus contos (alguns de FC) foram publica­dos nas revistas O Cruzeiro, Fonfon, A Cigarra, Eu Sei Tudo, Lady, Globo e Vida Doméstica. Foi diretor da Gazeta Juvenil e das revistas infantis Disney, da Editora Abril, e também repórter da Assembléia Legislativa. Trabalhou para os Diários, fez parte do jornal Última Hora e a partir de 1957 passou a assinar na Folha de S. Paulo a coluna de varieda­des Panorama, no cader­no Ilustrada, continuada após sua morte por sua filha Therezinha Monteiro Deutsch.

Entre 1961 e 1969 morou em Mongaguá, local que traria as maiores alegrias e tristezas de sua vida. Em meados de 1969 morava em São Paulo e em Monga­guá, de maneira alternada. Em 6 de março de 1970 adoeceu, passando daí por diante os dias de cama, em casa ou em hospitais. Faleceu em 1º de junho, vítima de um aneurisma na aorta. 

Cláudio Tsuyoshi Suenaga 
Mestre em História pela Unesp

Nenhum comentário:

Postar um comentário