Texto de Bira Câmara
Se tivesse vivido em nossa época, Hoffmann seria o que chamamos de multimídia; além de escritor genial e compositor, também foi desenhista talentoso e jurista. Entre suas atividades artísticas, além da pintura, da crítica musical e da dramaturgia, exerceu direção teatral, regência orquestral e cenografia. Como compositor, foi autor de música de câmara e outras peças. Crítico musical perspicaz, foi um dos primeiros a proclamar a genialidade de Beethoven.
Seu nome verdadeiro era Ernst Theodor Wilhem Hoffmann, mas ele se tornou conhecido desde suas primeiras publicações como E. T. A. Hoffmann, pois adotou quando adulto o nome Amadeus devido a grande admiração por Mozart. Nasceu em 24 de janeiro de 1776 em Königsberg, na Prússia-Oriental, e morreu em 25 de junho de 1822 em Berlin, com apenas 46 anos de idade.
Na sua curta existência construiu substancial obra literária que o tornou um dos escritores mais conhecidos no mundo todo. Escreveu numerosos contos como: O Homem de Areia, As Minas de Falun e vários romances, entre os quais se destacam O Gato Murr e Elixires do Diabo. Foi uma das mais ilustres figuras do romantismo alemão e inspirou numerosos artistas, na Europa e no resto do mundo. Jacques Offenbach compôs a ópera fantástica em cinco atos Os Contos de Hoffmann inspirando-se no universo do romântico alemão.
Entre suas obras mais conhecidas destacamos: Contos Noturnos (1817), Os Irmãos de São Serapião (1819-1820), O Pequeno Zacarias, chamado Cinábrio, Princesa Brambilla (1820), e também o conto O Quebra-Nozes e o Rei dos Camundongos, no qual foi baseado o balé Quebra-Nozes.
Um crítico definiu Hoffmann como «um artista integral, cuja fome se alimenta de sonhos». Toda sua obra reflete uma estreita relação com a loucura e a alucinação, como podemos perceber no conto O Elixir do Diabo. Mas ao leitor desavisado devemos esclarecer que este trabalho de Hoffmann não tem nenhuma relação com o seu célebre romance (quase) homônimo Elixires do Diabo. Ambos são inéditos até agora em língua portuguesa, o que é injustificável, pois alguns de seus contos tiveram várias traduções tanto em Portugal como no Brasil no século XIX.
Hoffmann trabalhou durante dois anos no romance, que é uma de suas obras mais interessantes, e onde todos os grandes temas caros ao autor ali se encontram juntos e levados ao paroxismo: da angústia de viver à embriaguez romântica da voluptuosidade, dos «aspectos noturnos da vida» ao desenvolvimento da personalidade, dos laços que unem a realidade e o sonho à tendência ao grotesco.
Enquanto Elixires do Diabo é uma obra de tal magnitude que chamou a atenção do próprio Freud, o conto não pretende ir além de proporcionar uma leitura agradável, resvalando por completo no delírio alucinatório, numa atmosfera fantástica e surreal tão descabelada que pode ser tomado — numa leitura superficial — quase como um conto de fadas para adultos. Mas não podemos deixar de perceber neste texto uma sátira velada à sociedade de seu tempo, e à própria natureza humana. As desventuras do estudante Ludwig, ao travar contato com as criaturas exóticas de mundos subterrâneos, podem muito bem simbolizar as dificuldades que o autor enfrentou no ambiente provinciano em que vivia. Não é por acaso, pois, que nesta obra o único mundo governado sabiamente e onde tudo funcionava bem era justamente o dos animais!Este conto — que apareceu no volume Contos Noturnos (1817) — ao contrário do romance, não está entre as produções mais elaboradas de Hoffmann, mas possui ao menos o mérito de ter influenciado dois autores célebres: Bulwer Lytton e Júlio Verne, pois ambos escreveram romances abordando mundos subterrâneos (Raça Futura e Viagem ao centro da Terra). Aliás, no livro de Lytton, o personagem central despenca nas profundezas da terra, da mesma forma que o estudante norueguês, depois que a corda arrebenta...
Há nas Mil e Uma Noites, este vasto depósito do imaginário, um conto insólito sobre um vampiro que sai das profundezas da terra à noite para roubar os tesouros de um califa. (*) Um de seus filhos recebe a missão de descer no poço de onde o monstro saía para o matar; e como aconteceu aos personagens de Hoffmann e de Lytton, a corda arrebenta, e ele descobre um novo mundo em baixo da terra. Coincidência? É provável que sim, mas não podemos descartar a hipótese de que Hoffmann tenha lido esta história e a recontado à sua moda. Outra coincidência: enquanto o herói do conto das Mil e Uma Noites é um usuário de haxixe, o estudante noruegês de Hoffmann é chegado aos vapores do álcool. E as duas histórias têm um final semelhante.
Mas é bom parar por aqui, para não acabarmos dando um spoiler indesejado aos leitores dispostos a ler estas duas histórias.
NOTA:
(*) Les Aventures Extraordinaires d’un Fumeur de Kif («Contes Oubliés des Mille et Une Nuits», par Albert Caise,1893), cuja tradução publicamos na coletânea Histórias de Vampiros.
Mademoiselle de Scudéry
Crônica da época de Louis XIV
O Elixir do Diabo e Mademoiselle de Scudéry
E. T. A. Hoffmann
Brochura, 152 páginas, formato 12,5 X 20 cm., 2017. Tradução de Bira Câmara.
PEDIDOS:
jornalivros@gmail.com
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