Orestes Barbosa, no traço de Nassara |
Texto de Bira Câmara
A lua sempre exerceu um grande fascínio sobre a imaginação humana, e inspirou mitos e crendices populares em todas as culturas do planeta desde a antiguidade. Depois do sol, ela era a maior divindade do paganismo e tudo indica que até hoje nosso satélite mantém esta aura mística, pelo menos entre os poetas que sempre a cultuaram através dos tempos com um fervor quase religioso.
A partir do século XVIII, principalmente na literatura francesa, a lua e as estrelas cativaram os poetas a tal ponto que poesias falando delas se tornaram cada vez mais comuns. E até hoje é raro o poeta que não tenha feito pelo menos um verso dedicado a lua ou a alguma estrela.
Como astro noturno por excelência, a Lua está sempre presente nas divagações poéticas, seja como musa, companheira ou confidente. A melancolia, o spleen dos românticos frequentemente tem a noite enluarada como pano de fundo.
Nem mesmo o avanço do conhecimento científico nos séculos XIX e XX, conseguiu eclipsar o fascínio pelo astro da noite e seu cortejo luminoso na imaginação dos poetas e seresteiros.
Hoje em dia muitos cientistas e psiquiatras reconhecem a influência da lua no comportamento humano, tanto é que em muitas grandes cidades americanas a polícia e o corpo de bombeiros ficam mais alertas nas noites de lua cheia, devido ao aumento da violência, de incêndios e de acidentes. A psiquiatria também já percebeu que os loucos ficam mais agitados nestas ocasiões. Mas tudo isso os poetas já sabiam:
Ela surge. E a loucura começa. E começa
A girar pelos céus, em turbilhões medonhos,
A ronda funeral dos fantasmas tristonhos,
Estes versos são de Affonso Lopes de Almeida, que em seguida conclui:
Ei-la, que aos altos céus calada ascende aos poucos,
A Lua, o astro infeliz, dos poetas e dos loucos,
Foco de estranha luz de ocultos malefícios.
A Lua, que fecunda o ventre das mulheres.
Que faz erguer do Mar as ondas rosicleres.
E uivar os cães na rua e os doidos nos hospícios...
Até Machado de Assis, quem diria, falou dos astros num de seus sonetos, mas sem abrir mão de sua habitual ironia.
O planeta Vênus, popularmente conhecido como estrela d’Alva ou Vésper, sempre gozou da estima dos poetas, que foram buscar na mitologia os atributos que a celebrizaram como estrela do amor. Poemas dedicados a ela, bem como metáforas e citações permeando os mais diversos poemas, são tão abundantes quanto composições referentes à Lua.
Os românticos e os parnasianos consagraram a lua como o astro dos loucos, dos boêmios, dos poetas e dos enamorados, mas com o advento dos modernistas a postura de respeito e veneração deu lugar à irreverência. Assim, no célebre poema de Manuel Bandeira, Satélite, a lua é reduzida a “coisa em si”, embora ele não deixe de lhe declarar amor.
Os astros extrapolaram o universo dos poetas e também foram inspirar os seresteiros populares do século XX. Quem não conhece Luar do Sertão, As Pastorinhas, Linda Morena, Chão de Estrelas?
Entre os poetas brasileiros do século passado, nenhum outro teve o seu nome tão associado à estrelas e à lua quanto Orestes Barbosa. Poeta admirável, de versos aclamados por Hermes da Fonseca e Agripino Grieco, ficou eternizado na memória popular como letrista de sambas e canções de enorme sucesso. O próprio Manuel Bandeira reconheceu-o como “grande poeta da canção” e declarou que Orestes — o autor de Chão de Estrelas — foi o autor do verso mais lindo de nossa língua: “Tu pisava os astros distraída”.
Nada consegue desbancar a lua de seu papel de musa inspiradora dos artistas. Mesmo depois que o homem pisou nela o seu fascínio não diminuiu; apenas perdeu as conotações mitológicas do passado e o lirismo dos românticos. A modernidade e o progresso científico, que aceleradamente desvendam os mistérios do universo, não conseguiram apagar o encanto exercido pelo céu enluarado no imaginário dos poetas e seresteiros. Para eles, e para os apaixonados, a lua continuará a ser a rainha da noite e a musa inspiradora da poesia.
Coletânea de Poetas da Lua e das Estrelas
Brochura, ilustrada, 186 páginas, 2012. Seleção e prefácio de Bira Câmara
PEDIDOS
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