sexta-feira, 9 de abril de 2021

Ascensão e queda de Kurt Vonnegut

 Texto de Carlos X. Alberto

Vonnegut nasceu em 1920, em Indianópolis, U.S.A. Viveu grande parte de sua vida em Cape Cod e chegou a cursar três anos de Química. Problemas de saúde e a convocação para a guerra fizeram-no interromper seus estudos. Durante a Segunda Guerra Mundial, foi capturado pelos alemães e presenciou o bombardeio aliado sobre Dresden, na  Alemanha, como prisioneiro de guerra – experiência que o marcou profundamente e é tema recorrente em sua obra. Ao retornar, recebeu uma condecoração.

Casou-se, teve seis filhos (três adotivos) e completou seus estudos, fazendo mestrado em Antropologia. Trabalhou na General Eletric como relações públicas. Em seguida começou a escrever artigos para revistas e depois dedicou-se integralmente à literatura.

Após um período em que seu trabalho era conhecido apenas por um pequeno público, popularizou-se e seu estilo crítico e ácido caiu no gosto da juventude dos anos setenta. Foi do under­ground para o mainstream do currículo das universidades norte-americanas.  

 Entretanto, seus últimos livros parecem mais uma paródia de suas obras mais importantes, um plágio pouco inspirado de seu próprio estilo, outrora revolucionário. Talvez tenha enjoado de escrever. Consta, inclusive de seu site oficial que ele, ao entregar os originais de um novo livro joga-o sobre a mesa do editor e diz, laconicamente: – Tome! É seu! – Depois, retorna aos pincéis e tintas, pois é a pintura que o diverte e entusiasma, no presente.

Tentou o suicídio, com uma mistura de álcool e barbitúricos no meio da década de oitenta, mas sobreviveu. Foi agraciado com o título de “autor do estado de New York para 2001-2003”, após ter se mudado para Manhattan.

Declarou, aos 76 anos, que “o radinho dentro de minha cabeça parou de transmitir”! Coisa que podemos confirmar, quando comparamos os livros de hoje com os da primeira fase.

Principais livros de Vonnegut

Revolução no Futuro (1952) - No futuro, homens menos qualificados, com menos know-how (operários, por exemplo) foram substituídos pelas máquinas e vivem na periferia da cidade (Ilium), enquanto os tecnocratas gozam uma vida faustosa e cheia de privilégios, que variam de acordo com seu grau técnico. O engenheiro Paul Proteus deixa-se influenciar por um colega meio excêntrico (Finerty) e acaba se envolvendo com a Revolta dos Camisas Fantasmas. Excelente ficção científica, num estilo formal e clássico.

O Espião Americano (1961) - O agente duplo Howard Campbell Jr., locutor e autor teatral em Berlim, irradiava propaganda nazista pelo rádio. Entretanto, era espião americano. Vinte anos após a guerra, é procurado por nazistas, russos e caçadores de nazistas que o encontram no Greenwich Village e o levam para Israel, para ser enforcado, ficando na cela do lado de Adolph Eichmann. Disse um crítico: “O livro é uma sátira a tudo”!

Matadouro n. 5 (1969) - Seu livro mais conhecido, inspirou o filme homônimo (prêmio especial do júri do Festival de Cannes de 1972). Conta a história de Billy Pilgrim, que – a exemplo do próprio Vonnegut – combatia na Segunda Guerra Mundial. Depois do fim do conflito, fez contato com os tralfamadorianos, que o seqüestraram e o levaram para um zoológico no planeta Tralfa­ma­dor. Estes alienígenas controlavam as viagens no tempo e assim viviam saltando de um momento para outro na vida, revivendo os melhores instantes. Por conta disso, todos os capítulos do livro são embara­lha­dos cronologicamente. Neste romance, também é apresentado Kilgore Trout, um autor de ficção científica que a partir daí reaparece em vários livros de Vonne­gut. Cada ideia de Trout, descrita em seus livros, é capaz de resultar em outra obra. E o detalhe é que as ideias costumam ser muito boas.

Cama-de-Gato (1963) – É talvez seu melhor livro. Aqui, a nova e a velha linguagem de Vo­nne­gut combinam-se de forma bem equilibrada. O Dr. Felix Hoenikker, um dos pais da bomba atômica, inventa um isótopo de gelo sinistro: o gelo 9! Uma vez que toque o chão, o gelo 9 congelará o planeta inteiro! O repórter que pro­tagoniza a história viaja para a República de San Lorenzo, no Cari­be, onde reina um ditador, Papa Monza­no. Ali, quase todos os habitantes pertencem à religião de Bokonon, que é reprimida pelo ditador e punida com a morte. O protagonista da história acaba se tornando um boko­­nonista, também. Os cânones da seita são deta­lhada­mente descritos, com fina ironia: o “ka­rass”, os “fomas”, os “wam­peters”, os “gran­falloons” e os “boku-ma­rus”. Esta pequena obra-prima se desenrola por 127 deliciosos capítulos curtos, até o insólito final.

Almoço dos Campeões  – Outro livro que rendeu um filme, com Nick Nolte e
Bruce Willis. Desde o início da história, anuncia-se que, no final do livro, a personagem principal enlouqueceu e o autor – Kilgore Trout – vai se encontrar com ele e contar-lhe que ele é, na verdade, uma criação sua! Ao longo da obra, Vonnegut usa um recurso estilístico inusitado: sempre que vai citar alguma coisa, um castor – por exemplo –, ele diz: “castor era um animal terrestre que... (descreve o castor). Era mais ou menos assim”... (em seguida, desenha um castor). O livro é pontuado por desenhos do próprio autor. Vários enredos são ainda esboçados e apresentados como “livros de Kilgore Trout”. Cabe ao leitor imaginar estes outros livros, como numa obra aberta...

Pastelão ou: Solitário, nunca mais  – Aqui, infelizmente, Vonnegut começa a dar sinais de cansaço e a repetir-se. Outra saga apoca­líptica, começa onde Cama-de-Gato termina. O cenário de uma Nova Iorque (a “Ilha da Morte”) devastada pela peste, não poderia ser mais deso­lador: raízes brotam através do asfalto partido, pontes jazem caídas no rio, a selva invade a outrora poderosa cidade e fogueiras pontilham o antigo espaço urbano. Ao invés do “gelo 9”, temos aqui  a “Morte Verde”. A diferença é que, para esta, há antídoto! O autor revisita também o Almoço dos Campeões, garatujando algumas ilustrações (aqui em menor número) e fechando novamente capítulos com a expressão: “E assim por diante”... Surge também outra expressão recorrente: “Ai-Ô”!

Mas... Vonnegut, que havia abandonado seu estilo inicial para se reinventar através de um não-estilo, acabou por cair na armadilha que ele mesmo armara: a fórmula  Vonnegut! Em Pastelão, tristemente, começa a repetir-se. O pior ainda estava por vir: seus livros seguintes (Barba-Azul, Um Pássaro na Gaiola Bode Vermelho) tornam-se tão vazios quanto monótonos. A fórmula se esvaiu e restou um vácuo de difícil leitura, um exercício para masoquistas.

O autor tenta o suicídio, mas se salva! O escritor, não! Tomba Kurt Vonnegut, Jr., vítima de suicídio artístico!

Último texto de Vonnegut

Foi lançado em português, pela Record, o último livro de Vonnegut – Um Homem sem Pátria. É de leitura agradável, apesar do tema indigesto: a indignação do autor com os U.S.A. dos dias atuais. Fala de Bush, Bin Laden e Cia. 

Trata-se de um livro de crônicas, não de um romance. Assim, o Vonnegut que ali se revela é o cronista e não o ficcionista. As crônicas revelam traços do velho DNA Vonnegutiano.

Teria a “lampadazinha” na cabeça do escritor voltado a se acender? Não acredito. Parece mais aquele piscar intermitente que as lâmpadas dão antes de queimarem definitivamente. Ali estão, entretanto, algumas frases de grande efeito, como: “Aquela guerra (Vietnã) só transformou milionários em bilionários. A guerra de hoje está transformando bilionários em trilionários. È isso o que eu chamo de progresso”. Ou: “Nosso governo está contra as drogas, não é? Por que não investe contra o petróleo? Não existe barato mais destrutivo! Você coloca um pouco desta droga no seu carro e pode correr a mais de cem por hora, atropelar o cachorro do vizinho e estraçalhar toda a atmosfera”.

E assim por diante! 


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