Texto de Bira Câmara
Recebida com ódios e aplausos, Palavras Cínicas levou o jovem escritor à notoriedade, tornando-o conhecido até no Brasil. Escritor profícuo, consagrou-se no mundo literário de sua época com uma extensa e significativa produção. Mesmo assim o seu nome ficou indelevelmente associado a este livro.
Obra pessimista, herética, anticlerical, blasfema, imoral, certamente ainda chocará muita gente. Mas ainda assim, descontando-se os exageros e alguns disparates, as mentes mais lúcidas hão de reconhecer as muitas verdades espalhadas nela.
Palavras Cínicas foi publicado pela primeira vez em 1905, obra de estréia em prosa do, então, jovem e desconhecido jornalista e poeta português Albino Forjaz Sampaio. O impacto deste livro, escrito num estilo “schopenhauereano” tornou-o conhecidíssimo e rendeu-lhe muitas críticas. Cândido de Figueiredo referiu-se à obra como “livro pessimista e blasfemo, de um moço laborioso, inteligente e audaz”. Em Portugal, até a morte de Albino em 1949, saíram mais de 40 reedições de Palavras Cínicas. Sua fama atravessou o Atlântico e ela foi muito lida e comentada também no Brasil.
Suas produções poéticas anteriores, consideradas pela crítica em geral como incipientes, foram chamadas pelo próprio autor — à maneira de Vítor Hugo — de “as asneiras que eu fazia antes de nascer”. Portanto, pode classificar-se as Palavras Cínicas como “o primeiro livro de Forjaz de Sampaio, aquele que o atirou para o mundo das letras e do escândalo, o que em volta do seu nome concitou mais ódios e aplausos, o mais discutido e o mais vendido também” (*).João Paulo Freire, autor de um ensaio crítico sobre ele, considera Palavras Cínicas “o condimento das almas depravadas pelo vício, derrancadas pela miséria ou espezinhadas pelo egoísmo” e só pode fazer sentido para aqueles que negam a existência de Deus. (**). Ainda, segundo Freire, “é um livro onde se encontra muita verdade, mas que os palavrões e as blasfêmias inutilizam para a crítica sã, justiceira, imparcial”.
Pela mensagem negativista de sua obra, Forjaz de Sampaio poderia ser justificadamente considerado como um dos mais perversos monstros morais do seu tempo. Mas a impressão que deixou para muitos críticos é que esta obra não visava outro resultado a não ser torná-lo conhecido, odiado, comentado, discutido. O que de fato ele conseguiu.
Os fracos de espírito e as almas religiosas podem chocar-se com as suas blasfêmias e a linguagem crua, mas qualquer pessoa de bom senso há de perguntar-se: será que o autor acredita de fato naquilo que escreveu? Pode alguém com esta filosofia de vida levar uma existência normal e não se matar?
Muitas afirmativas do escritor são frases prontas, cuja única intenção só pode ser provocar escândalo, chocar ou fazer gozação, como esta:
«Não ames nem creias. Todo o homem que ama é homem perdido, e todo aquele que crê nunca será ninguém.»
O livro é todo recheado de citações: Turgueniev, d’Annunzio, Gorki, Shakespeare, Camões e, é claro, Schopenhauer. Sampaio tentou subverter a moral vigente, investindo contra o clero e as crenças populares, além de deixar clara a sua opinião de que ”a vida não vale a pena no mundo em que se vivia”. No entanto, muitas de suas afirmações soam falsas, exageradas, e Palavras Cínicas está mais próximo de uma diatribe juvenil, do que do nihilismo de Schopenhauer ou de Nietzche (outro filósofo que o influenciou).
Mas em sua defesa temos de lembrar que o próprio Forjaz de Sampaio nunca se reconheceu como escritor mas bradou aos quatro ventos que era um “jornalista levado dos diabos”.
Nas obras seguintes, o humor, o cinismo e a ausência completa de consciência social caracterizaram o seu estilo, esgotando edições atrás de edições. Foi amado e odiado com igual intensidade; um provocador ao estilo de Oscar Wilde. São desta fase os livros Crônicas Imorais (1909), Prosa Vil (1911), Cantáridas e Violetas (1915), Tibério, Filósofo e Moralista (1918), e O Homem que deu o seu Sangue (1921), entre outros.
NOTAS:
(*) João Paulo Freire, Albino Forjaz de Sampaio (Escorço bio-bibliográfico), pág. 51
(**) Idem, pág. 52
Albino, bibliófilo
Albino também traduziu Dores do Mundo, de Schopenhauer e organizou uma antologia de poetas portugueses e brasileiros (da poesia trovadoresca até aos poetas contemporâneos) com poemas sobre prostitutas e a prostituição, O Livro das Cortesãs (1916), em conjunto com o pintor Bento de Mântua.
Se conquistou notoriedade pelas heresias, blasfêmias, insultos e escárnios, sua reputação literária foi crescendo com a maturidade através de uma produção respeitável, seja como cronista das mazelas sociais, como escritor naturalista e até como historiador da literatura portuguesa.
Em 1920-22, Forjaz de Sampaio publicou o Teatro de Cordel, que até hoje é um dos melhores estudos sobre o teatro português nos séculos XVII, XVIII e inícios do século XIX. Com esta obra, editada pela Academia das Ciências de Lisboa, o autor, até então desprezado e considerado “vulgar e rasteiro” não só adquiriu respeitabilidade no mundo literário mas também foi admitido como Sócio Honorário da mesma Academia.
Tornou-se um bibliófilo apaixonado e passou, então, a produzir obras de investigação literária e de cunho jornalístico como Homens de Letras (1930), a coleção “Patrícia” dedicada aos maiores vultos da literatura portuguesa, publicada a partir de 1924, com quase 30 volumes, e a sua monumental História Ilustrada da Literatura Portuguesa em três volumes.
Até morrer, em 1949, Albino Forjaz de Sampaio mergulhou nos estudos de biblioteconomia, da história do livro e da tipografia.
Palavras Cínicas
Albino Forjaz de Sampaio
Brochura, 103 páginas, formato 14 x 20 cm.
PEDIDOS:
jornalivros@gmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário